Embora almejem servir de filtro mágico para seleção de pessoas “do bem”, agem como ferramentas antidemocráticas, filtrando muitas lideranças no lado “não passa”, por se mostrarem contrárias a determinados paradigmas anacrônicos, atrasando a evolução da sociedade democrática.
Muito embora desejem nestas compilações, atacarem problemas como a corrupção e a desigualdade social, ao associarem nestes tratados temas diversos como aborto, ensino religioso obrigatório, casamento entre homossexuais, adoção de crianças por casais homoafetivos, legalização da prostituição, das drogas e até tráfico de mulheres, acabam criando relações de causa e efeito inexistentes, trazendo mais confusão na já complexa prática da democracia!
Como exemplo das distorções à democracia, num simples exercício interpretativo dos tais critérios colocados no referido, chegamos em afirmativas subliminares bizarras, das quais aponto algumas:
- O aborto no país será menos praticado por votarmos em pessoas que pertencem à determinada religião!
- Se votarmos em pessoas que apóiam a descriminalização do aborto e do consumo de drogas, as desigualdades sociais tendem a piorar!
- As pessoas que se dizem, no discurso político, praticantes fundamentalistas de determinados credos são menos susceptíveis à corrupção!
- O reconhecimento legal da união entre homossexuais através do casamento civil e o aceite legal da adoção de órfãos por estes, provocará um acréscimo nos níveis já alarmantes de corrupção e de violência!
Obviamente, se existe alguma conveniência nestes ensinamentos, já que sabedoria não há, quem se beneficia da mesma são as próprias instituições religiosas dominantes, ato em si muito antidemocrático.
Ainda no texto, é impossível não perceber outras incoerências quando se alega defender o princípio da solidariedade, já que quem alega defendê-la, fere o mesmo princípio quando exclui e marginaliza pessoas que não se encaixam nas suas interpretações do que venha a ser o ideal de comportamento humano, isto porque alegam ser portadores da interpretação de um ser divino.
Piora ainda quando limitam o exercício dos direitos sociais em trabalho, moradia, saúde, educação e segurança, esquecendo-se da cultura, onde creio que todos os credos se incluam. Mostra ainda uma ignorância esperada, quando não entende que a liberdade sexual faz parte do direito à saúde, coisa que para algumas instituições do ramo é negada aos próprios ordenados.
No frigir dos ovos, ao afirmarem que critérios religiosos colaboram com a liberdade, a partir de uma perspectiva sombreada por dogmas que somente se justificam em cultos e são intrínsecas à fé de cada pessoa, essas instituições acabam agindo como muralhas ao que se entende ser o pleno exercício da democracia.
No meu entendimento, a democracia não deve ser entendida como outra instituição. Diferentemente de instituições religiosas que são, via de regra, inflexíveis quanto ao comportamento humano, a democracia deve ser tratada como um processo maleável de construção de uma sociedade equitativa, no cerne do indivíduo, harmonizando direitos e deveres dos que aceitam os seus pares, circunscritos dentro de um estado!
Assim percebido, fica claro que instituições religiosas devem aceitar o processo e nunca controlá-lo! É até admissível que participem do mesmo, com os devidos cuidados para a manutenção da laicidade e desde que não retirem direitos ou imponham deveres, baseando‑se em escrituras ou em interpretações de entidades divinas. Em suma, as religiões que crêem serem maiores que a democracia, criando visões, opiniões e discernimentos baseados em seus dogmas, dentro de um processo democrático, em lugar de luz, entregam a escuridão.
Ferem também a democracia quando almejam defender a liberdade de educação, misturando-se uma doutrina espiritual no mesmo pacote educacional, como se houvesse a opção “certa” para educar os filhos neste quesito. E convenhamos, apelar, tentando alicerçar tal argumentação com o infeliz “Acordo entre Brasil e Santa Sé”, é invalidar uma constituição laica, o que também fere a nossa democracia. Aos que acreditam que “O estado não é ateu!”, como lógica desqualificadora deste argumentação, pergunto se não seria o caso da emigração consciente para estados reconhecidamente religiosos?! Eles existem e servem “democraticamente”, pelo direito de ir e vir, para isso.
A laicidade do estado, a contragosto de muitos dirigentes religiosos, é a única opção de valor para qualquer estado democrático. Sem ser laico, não há como ser democrático. Os direitos humanos, como norma social, são superiores aos dogmas religiosos e é a constituição de cada país que deve abarcar regras de convivência pacífica entre as vertentes religiosas, agnósticas e atéias de uma sociedade. Tudo que escapa a esta lógica é antidemocrático.
Por fim, dentro do documento apontado, concordo somente com a necessidade de valorização do voto. E fico só nisso, pois só ele não decide a vida pública. Ele é só uma das ferramentas, que associada a outras forças do estado e da sociedade, sempre coerentes com a sua constituição, elevam a democracia de um país. É através do voto que a liberdade individual tenta se manifestar. Tal liberdade será mais próxima do ideal quanto mais as religiões se restringirem às necessidades espirituais de seus seguidores.
E a ironia disso tudo é que tais religiões, dentro do universo espiritual onde deveriam nortear algo, pelo nível de violência que assola a civilização, pelos padrões de consumo atuais, pelas incoerências entre pregações e ações de seus doutrinadores, pela falta de qualidade de valores humanos em sociedades ditas religiosas, me levam a questionar a sabedoria divina de seus próprios critérios de seleção.
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