18 de julho de 2010

As religiões, por si só, são instituições antidemocráticas!



Ao ler o documento ”Orientações e Critérios para as próximas eleições” (Bispos Do Regional Leste 1 Da Cnbb) vejo questões profundas e incoerências surgirem destes juízes e de seus juízos, que alegam trazer algum discernimento aos eleitores na seleção de seus candidatos.

Embora almejem servir de filtro mágico para seleção de pessoas “do bem”, agem como ferramentas antidemocráticas, filtrando muitas lideranças no lado “não passa”, por se mostrarem contrárias a determinados paradigmas anacrônicos, atrasando a evolução da sociedade democrática.

Muito embora desejem nestas compilações, atacarem problemas como a corrupção e a desigualdade social, ao associarem nestes tratados temas diversos como aborto, ensino religioso obrigatório, casamento entre homossexuais, adoção de crianças por casais homoafetivos, legalização da prostituição, das drogas e até tráfico de mulheres, acabam criando relações de causa e efeito inexistentes, trazendo mais confusão na já complexa prática da democracia!

Como exemplo das distorções à democracia, num simples exercício interpretativo dos tais critérios colocados no referido, chegamos em afirmativas subliminares bizarras, das quais aponto algumas:

  • O aborto no país será menos praticado por votarmos em pessoas que pertencem à determinada religião!
  • Se votarmos em pessoas que apóiam a descriminalização do aborto e do consumo de drogas, as desigualdades sociais tendem a piorar!
  • As pessoas que se dizem, no discurso político, praticantes fundamentalistas de determinados credos são menos susceptíveis à corrupção!
  • O reconhecimento legal da união entre homossexuais através do casamento civil e o aceite legal da adoção de órfãos por estes, provocará um acréscimo nos níveis já alarmantes de corrupção e de violência!

Obviamente, se existe alguma conveniência nestes ensinamentos, já que sabedoria não há, quem se beneficia da mesma são as próprias instituições religiosas dominantes, ato em si muito antidemocrático.
 

Ainda no texto, é impossível não perceber outras incoerências quando se alega defender o princípio da solidariedade, já que quem alega defendê-la, fere o mesmo princípio quando exclui e marginaliza pessoas que não se encaixam nas suas interpretações do que venha a ser o ideal de comportamento humano, isto porque alegam ser portadores da interpretação de um ser divino.
 

Piora ainda quando limitam o exercício dos direitos sociais em trabalho, moradia, saúde, educação e segurança, esquecendo-se da cultura, onde creio que todos os credos se incluam. Mostra ainda uma ignorância esperada, quando não entende que a liberdade sexual faz parte do direito à saúde, coisa que para algumas instituições do ramo é negada aos próprios ordenados.

No frigir dos ovos, ao afirmarem que critérios religiosos colaboram com a liberdade, a partir de uma perspectiva sombreada por dogmas que somente se justificam em cultos e são intrínsecas à fé de cada pessoa, essas instituições acabam agindo como muralhas ao que se entende ser o pleno exercício da democracia. 

No meu entendimento, a democracia não deve ser entendida como outra instituição. Diferentemente de instituições religiosas que são, via de regra, inflexíveis quanto ao comportamento humano, a democracia deve ser tratada como um processo maleável de construção de uma sociedade equitativa, no cerne do indivíduo, harmonizando direitos e deveres dos que aceitam os seus pares, circunscritos dentro de um estado!

Assim percebido, fica claro que instituições religiosas devem aceitar o processo e nunca controlá-lo! É até admissível que participem do mesmo, com os devidos cuidados para a manutenção da laicidade e desde que não retirem direitos ou imponham deveres, baseando‑se em escrituras ou em interpretações de entidades divinas. Em suma, as religiões que crêem serem maiores que a democracia, criando visões, opiniões e discernimentos baseados em seus dogmas, dentro de um processo democrático, em lugar de luz, entregam a escuridão.

Ferem também a democracia quando almejam defender a liberdade de educação, misturando-se uma doutrina espiritual no mesmo pacote educacional, como se houvesse a opção “certa” para educar os filhos neste quesito. E convenhamos, apelar, tentando alicerçar tal argumentação com o infeliz “Acordo entre Brasil e Santa Sé”, é invalidar uma constituição laica, o que também fere a nossa democracia. Aos que acreditam que “O estado não é ateu!”, como lógica desqualificadora deste argumentação, pergunto se não seria o caso da emigração consciente para estados reconhecidamente religiosos?! Eles existem e servem “democraticamente”, pelo direito de ir e vir, para isso.

A laicidade do estado, a contragosto de muitos dirigentes religiosos, é a única opção de valor para qualquer estado democrático. Sem ser laico, não há como ser democrático. Os direitos humanos, como norma social, são superiores aos dogmas religiosos e é a constituição de cada país que deve abarcar regras de convivência pacífica entre as vertentes religiosas, agnósticas e atéias de uma sociedade. Tudo que escapa a esta lógica é antidemocrático. 


Por fim, dentro do documento apontado, concordo somente com a necessidade de valorização do voto. E fico só nisso, pois só ele não decide a vida pública. Ele é só uma das ferramentas, que associada a outras forças do estado e da sociedade, sempre coerentes com a sua constituição, elevam a democracia de um país. É através do voto que a liberdade individual tenta se manifestar. Tal liberdade será mais próxima do ideal quanto mais as religiões se restringirem às necessidades espirituais de seus seguidores. 

E a ironia disso tudo é que tais religiões, dentro do universo espiritual onde deveriam nortear algo, pelo nível de violência que assola a civilização, pelos padrões de consumo atuais, pelas incoerências entre pregações e ações de seus doutrinadores, pela falta de qualidade de valores humanos em sociedades ditas religiosas, me levam a questionar a sabedoria divina de seus próprios critérios de seleção.